

Estreia no Espaço Unibanco de Fortaleza o documentário "Lixo Extraordinário", sobre o artista Vik Muniz. Um mergulho na experimentação de objetos e na realidade marginal dos que sobrevivem daquilo que não queremos ver
O que se considera arte é o resultado, o processo produtivo ou ambos? E o que nos emociona é o produto artístico, o conceito apresentado em forma de texto, colado ali ao lado da obra, ou ambos? A arte de Vik Muniz nos faz pensar sobre essas questões. As obras do brasileiro naturalizado norte-americano, filho de cearenses radicados em São Paulo, revelam com clareza uma produção atraente tanto pelo resultado da concepção quanto pelo caminho percorrido para chegar a ele.
Veja trailer do documentário Lixo Extraordinário
Vik é aquele tipo de artista que nos faz pensar sobre os objetos, já que sua técnica e seu conceito estão estreitamente relacionados à apropriação de elementos ditos "não artísticos". Arame, algodão, brinquedos, confetes, pasta de amendoim e, por que não?, lixo. Quando o material produz arte, torna-se artístico também. Vik nos abre este precedente, mantém-nos alerta, como se dissesse: atenção, olhe para os lados, tudo a sua volta pode se tornar arte! Está tudo em você, em como vê os objetos.
Assim, a arte estaria sobretudo em nossas mentes, em nossa percepção da realidade, e a história da arte seria algo como o conjunto de modo como homens e mulheres, ao longo da existência, observaram seus contornos, entornos e "intornos", no sentido do que está no íntimo. Frida Khalo, por exemplo, irritava-se de ter sua pintura caracterizada como surrealista. "Não faço surrealismo", dizia, "porque o que pinto não são sonhos ou alucinações, mas minha vida". Era o olhar de Frida sobre a própria existência.
E foi emergindo na existência que Vik Muniz e uma equipe de profissionais do cinema mergulharam por dois anos na realidade do maior aterro sanitário da América Latina: o Jardim Gramacho, em Duque de Caxias, no Rio de Janeiro, e produziram o documentário chamado "Lixo Extraordinário".
Em 25 de janeiro deste ano, o longa-metragem foi indicado ao Oscar 2011 na categoria Melhor Documentário. A montagem, dirigida por Lucy Walker, João Jardim e Karen Harley, chega neste fim de semana ao Ceará, em exibição no Espaço Unibanco.
Lixão
De frente para o corcovado, com os olhos voltados para o Cristo Redentor, estão entre três e cinco mil catadores de lixo, que sobrevivem dos resíduos reciclados. Além desses, estima-se que 15 mil pessoas subsistam a partir de atividades relacionadas ao aterro.
O lixão de Jardim Gramacho foi fundado em 1970. Por conta das crises econômicas que atingiram o período, não demorou muito para que famílias inteiras se mudassem para os entornos do terreno, um meio de sobreviver. Assim se formou a favela do Jardim Gramacho, cuja economia depende totalmente do comércio de materiais recicláveis.
Os trabalhadores, que diariamente removem toneladas de materiais recicláveis, prolongam a vida do aterro, retirando do monturo o que ainda pode ser aproveitado, e contribuem para as estatísticas: o Jardim Gramacho possui uma das taxas de reciclagem mais elevadas do mundo.
"A coisa bonita sobre o lixo é que ele é negativo, é algo que você não usa mais, é o que você não quer ver", diz Muniz. Segundo ele, para um artista visual, o lixo se torna um material interessante para se trabalhar, porque ele é o mais não visual dos materiais. "Você está trabalhando com algo que você normalmente tenta esconder", afirma Vik.
Partindo dessa proposta, Vik Muniz visitou o lixão em 2007, a fim de fotografar os trabalhadores e retratá-los. Mas a convivência com os moradores da favela Jardim Gramacho, levou o artista a desenvolver um trabalho coletivo: com a ajuda deles, reproduziu suas próprias imagens, a partir de objetos retirados do lixo.
Bastidores
O diretor do estúdio de Vik no Rio de Janeiro, Fabio Ghivelder, foi o responsável por identificar o Jardim Gramacho como o local para Vik criar suas obras. Foi ele ainda quem estabeleceu contato com os catadores antes da chegada da equipe, composta, entre outros por João Jardim, o diretor brasileiro escolhido para auxiliar na produção.
A proposta narrativa do filme era contar a história de como a arte podia tocar a vida daqueles que nunca imaginaram chegar perto dela. Contudo, o convívio com os trabalhadores transformou a ideia, emocionando a equipe. "No início eles desconfiavam de tudo, não conseguiam entender o que era o trabalho do Vik e como aquilo poderia acontecer. Mas com a convivência, a confiança mútua foi crescendo", explicou Jardim, que acrescentou: "Eu esperava encontrar o pior, mas encontrei pessoas interessantes, resistentes, que por um infortúnio da vida, foram parar ali, trabalhando com lixo".
Os cearenses interessados em assistir ao documentário poderão prestigiá-lo a partir de hoje no Espaço Unibanco de Cinema, no Centro Cultural Dragão do Mar. O filme de indicação livre possui 90 minutos. A primeira sessão começa às 14h50.
MAIS INFORMAÇÕES
Lixo Extraordinário (Waste Land) - Documentário. 2010. 90 min. Indicação: Livre. Em cartaz, no Espaço Unibanco do Dragão do Mar (Rua Dragão do Mar, 81). Horários: 14h50 - 16h50 - 21h.
MAYARA DE ARAÚJO
REPÓRTER - DN
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