segunda-feira, 12 de julho de 2010

Unidos pela Arte

Gilmar de Carvalho Pesquisador e jornalista

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Gilmar de Carvalho, e o recém-restaurado painel de Zenon Barreto: "Privilégio ter Zenon por Estrigas"
THIAGO GASPAR

12/7/2010

O professor Gilmar de Carvalho, que coordena o mais recente trabalho de Nilo Firmeza, o Estrigas, concede aos leitores do Caderno 3 uma prévia do livro que deve ficar pronto em agosto: um ensaio sobre a vida e a obra do artista plástico cearense Zenon Barreto (1918-2002). Nossos dois geniais pensadores estão na reta final de encaixar mais uma peça no quebra-cabeças da história da arte do Ceará

Como foi essa parceria para elaboração do livro?

Certo dia, ano passado, Estrigas me chamou e disse: Olhe, estou com um trabalho sobre o Zenon Barreto e gostaria de sua colaboração. Daí contou que, apesar de já pretender realizar esse projeto, foi desafiado por Auto Filho (secretário de Cultura do Estado), para parir mais rapidamente o livro. E foi aí que eu entrei, como uma espécie de executivo do livro. Apenas organizo a segunda e terceira partes da publicação, que traz vasto material de catálogos e jornais. Também faço a ponte com copiadores, digitadores, revisores, designer gráfico, capista, enfim. Mas, do ponto de vista intelectual, da escritura, o livro é dele.

É um projeto realizado entre amigos...

Claro. Convivo com os Firmeza desde 1969, ou seja, temos 41 anos de convivência. Estabelecemos uma relação de carinho, respeito e confiança. Eles não tiveram filhos, talvez por isso me fiz adotar por ele e por Nice. Moramos próximos, eles no Mondubim e eu, na Maraponga, vou lá quase toda semana. Estrigas é absolutamente competente, com habilidades e ferramentas para teorizar sobre arte, tem uma escrita muito rica. Como frequento sua casa, conheço bem a biblioteca dele. E quem tem aquele acervo, quem lê sistematicamente até tarde da noite, como ele, está absolutamente atualizado com as reflexões a respeito de estética, filosofia, arte, história...

Aos poucos, a história das artes plásticas do Ceará é registrada em livros...

Essa linha de estudos do Estrigas a respeito da arte no Ceará vem sendo desenvolvida há algum tempo e tem dado contribuições importantíssimas. Ele já escreveu a respeito do Raimundo Cela (1890-1954), Chico da Silva (1923-1985), Barrica (Clidenor Capibaribe, 1913-1993), Antonio Bandeira (1922-1967), Mário Baratta (1914-1983) e outros. E, assim, juntando com o trabalho de outros estudiosos, avançamos nessas reflexões. Isso tudo baseado em estudos teóricos, filosóficos e estéticos. Além de firme propósito, o Estrigas tem competência para escrever, não é um palpiteiro. Ele não apenas foi amigo do Zenon, como também sabe o que significa a depuração, concisão e contundência existente na arte do companheiro. Esse ensaio reúne materiais para quem quiser conhecer ou estudar a obra de Zenon. Nossa expectativa não é fechar portas, mas abrir janelas. Certamente outros trabalhos surgirão. O que nos interessa é que a importância da obra seja conhecida.

De que modo essa ideia tomou forma?

E num belo dia ele me entrega a caixa de plástico verde, com todo o material dentro, datilografado... Porque ele ainda usa máquina de escrever...Isso é tão anos 50! Mas esse é mais um dos charmes do Estrigas. Daí, até para digitar, precisei encontrar uma pessoa com sensibilidade. Temos uma revisora maravilhosa, atualizando tudo para a nova ortografia e colocando os acentos que, às vezes, faltam na máquina, e outras, na cabeça do Estrigas (risos). Mas é sempre maravilhoso saber que ele vai lançar um livro novo. O grande ponto desse trabalho é unir a visão do Estrigas com o que Zenon Barreto representou para a arte cearense. Eles foram da mesma geração, tiveram afinidades, conviveram bem, e discordaram em alguns momentos, claro, isso também é importante. Mas o título ainda está provisório. Vamos procurar um mais sedutor, mais parecido com a importância de Zenon para as artes no Ceará.

É fato que temos mais nomes de repercussão nacional na área da literatura que nas artes plásticas?

Da geração do Estrigas, cruzaram nossas fronteiras e conseguiram repercussão nacional as obras do Antonio Bandeira e do Aldemir Martins (1922-2006). Mais recentemente temos um grande artista cearense pouco estudado, que, aliás, foi objeto da monografia da jornalista Camila Vieira: o Leonilson (1957-1993). Ele teve repercussão nacional e internacional. Já dos que estão em atividade, eu chamaria atenção para o Efraim Almeida, artista competente, sensível, com trabalhos de qualidade, muito bem acolhido no eixo Rio-São Paulo, e participando de grandes salões nacionais.

Mas qual o diferencial desse trabalho sobre o Zenon?

Depois do texto do Estrigas, teremos um material valioso de escritores, jornalistas, resenhadores, que falaram da obra de Zenon Barreto, tratando sobre exposições com bambus, móveis de jardins, esculturas, desenhos, e outros. Textos de pessoas da mais alta competência, como Milton Dias, Eduardo Campos, José Julião, José Roberto Teixeira Leite, Bené Fonteles. Em um terceiro momento, veremos a colaboração de Zenon para os jornais, onde ele escreveu muito com o título de ´Salvador Daqui´. Finalizando, será publicada a recuperação de imagens a partir do escaneamento de fotos analógicas feitas há 20, 30 anos, e de catálogos.

As ruas de Fortaleza guardam algumas obras de Zenon...

Tem essa novidade boa, a recuperação do painel que fica na Secretaria da Fazenda, ali na Alberto Nepomuceno, ao lado do Mercado Central. Por muito tempo pensamos que aquele painel estava perdido. Mas ele está sendo recuperado, teve acompanhamento de arquitetos e historiadores, pessoas comprometidas com a memória da arte cearense. Temos outros, como o painel de pastilhas no prédio do DERT, na rua Assunção, também no centro. Tem a estátua da Heráclito Graça em homenagem à Bárbara de Alencar, naquela pracinha ali, próxima ao Paulo Sarasate. Temos também um bom trabalho do Zenon no Palácio da Abolição, que está sendo restaurado pelo Governo do Estado. Quer dizer, a gente espera e acredita que esse trabalho será entregue para a cidade, juntamente com as instalações do Palácio, e da melhor forma.

E a Iracema Guardiã, que fica na ponta da Praia de Iracema?

Esse objeto deu uma discussão boa nesse livro. Porque o Zenon teve o projeto de uma Iracema, que foi preterida, no tempo da Ditadura, pela Iracema do Corbiniano Lins, que está lá na Beira Mar. Somente muito depois, na gestão prefeito Juraci Magalhães, é que Zenon foi chamado para reapresentar sua maquete e teve seu projeto desenvolvido e ficou num local muito privilegiado. Foi vandalizada algumas vezes, mas está sempre sendo restaurada. Mas é assim mesmo... Obras em espaço público sempre passam por agressões.

Temos muito para conhecer...

Minha ex-aluna, a jornalista Sabrina Albuquerque, que também frequenta a casa do Estrigas, está fazendo mestrado na Unicamp sobre o Zenon. Temos conversado muito a respeito do trabalho dele, inclusive da grande lacuna que é a história da estátua de Iemanjá, que ele queria colocar na Praia do Futuro. Mas o tempo passou e ela nunca foi feita. Consegui em um jornal local, datado de 1978, um croqui dessa Iemanjá de Zenon. O Cláudio Pereira (falecido em maio de 2010), quando esteve na administração da Fundação Cultural de Fortaleza, tanto na administração do Juraci Magalhães, quanto do Antonio Cambraia, tentou de todas as maneiras viabilizar a construção dessa obra em arte pública. Mas a escultura nunca saiu do papel. Estamos vivendo um momento especial, é quase um privilégio ter Zenon por Estrigas. Um artista maravilhoso falando da obra de outro grande artista. Uma honra participar desse trabalho.


NATERCIA ROCHA
REPÓRTER





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